quarta-feira, 21 de abril de 2010

Convocação Tribal

* Música criada pela comunidade do pré-noviciado em homenagem ao dia dos povos indigenas:

 Voz: -Venham para a festa bonita/ que vai começar!
Apurinã, Arapaso, Baré
Hi-Merimã, Baniwa, Saterê-Maué
Karapanã, Kubeo, Juma, Matsé
Venham, com dança, a festa vai começar

A’tiá  îsame’rê  e’katirâ  a’tiá   (bis)

Barasana, Kambeba, Deni
Desana, Tuyuka, Maku
Tikuna, Maruna e Paumari
Todos os povos hoje vamos sorrir.

Yandé ara usika, sury yamusaray   (bis)

Kaxinawá, Bará, Banawá   (bis)
A’tiá îsame’rê e’katirâ a’atiá  (bis)

Pira-tapuya, Yanomami, Tukano (bis)
Yandé ara usika, sury yamusaray (bis)

E vocês, Caruís[1], a dançar
Sob as bençãos do grande Gorá[1]
E afastará o feroz Sarauá!
Ó caruís, vamos é hora de festejar
A’tiá îsame’rê e’katirâ a’atiá  (bis)


i Caruís: brancos em Tupi

quarta-feira, 24 de março de 2010

As famosas pulseirinhas querem dizer muito mais...

Lá estou eu, sentado com os meninos do oratório, brincando de um jogo de montar, uma brincadeira tão simples e que as crianças gostam tanto. Um jovenzinho magrelo se aproxima, um desses jovens magrelos típicos: cabelo estiloso, cheio de pulseirinhas coloridas (aquelas famosas pulseirinhas) espalhadas pelo braço, bermuda florida, duas camisetas sobrepostas, um boné e um cruzinha no pescaço, tinha acabado de ganhar este ultimo acessório, e, tinha certeza de que não iria passar do portão.
Depois começou a explicar a cor de cada uma das suas pulseirinhas, que ostentava orgulhoso. "A rosa, dizia ele, é um abraço...É minha preferida... se você rompê-la tenho que te dar um abraço... é mais fácil... seria bom se lá em casa eles estourassem mais minhas pulseirinhas rosa".
Um cara um dia escreveu que bonito é o mundo do jovem, e mesmo quando aparecem essas esquisitices elas são como que um grito de socorro que nos vem ao ouvido: "Hey, tirem-nos daqui, de onde vocês nos colocaram"...
Uma sociedade que cultua a beleza, o ter e o prazer a todo custo não poderia fazer tanto alarme quando surgem os filhotes de suas ideologias, entre eles a famosa e famigera pulseirinha.
"Seria bom se estourassem minhas pulseirinhas rosa lá em casa..." foi o som abafado no rosto cheio de espinhas do tipico jovem magrelo...
No final da conversa vem o check-mate: " Vocês que precisamos de oratórios? O governo já dá espaço de lazer a vontade nessa cidade... escola? a minha é pública e, pra quem se esforça e estuda dá para estudar muito bem... curso profissionalizante? isso também já temos demais... nos deem isso sim, mas, nos ensinem valores, nos mostrem como é Jesus, façam a gente viver como ele, e basta!"

* O fato aconteceu só em parte, o demais estava implicito na conversa, ou na imaginação engenhosa de um blogueiro! ;P

Não deixe para amanhã...


A moça da janela

Ele: Toda vez que passo vejo a moça da janela,
É bonita a moça, tem cara de feliz,
Qual será o nome dela?
Um olhar avoado, um rosto macio e rosado,
lábios carnudos e a expressão de incerteza...
Um dia ainda me apresento, crio coragem e peço que venha comigo!
Talvez amanhã!


O rapaz na estrada


Ela: Cansei de ser abusada...
a vida, que me disseram ser presente de Deus, mas parece presente de grego...
Tenho vontade de chorar, mas este desgraçado não vai me arrancar este último traço de dignidade...
Talvez chegue hoje o principe encantado, e me tire desta vida sem graça e sem cor...
Hum, talvez até seja aquele ali, que olha ao longe, ali na estrada...
Ah, não... ele se foi... talvez volte amanhã...
pena, os suicidas nunca recebem visitas.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Onde os cães latem...

Sou um homem sério, mas não carrancudo, claro que eu sei me divertir, meus amigos que o digam. Mas sempre perco as estribeiras quando passo naquela rua, sempre aquela mesma rua, mal iluminada, cheirando a chuva e às sensações da minha infância. Lá, onde deveria ser o local paradisiaco onde recordar a vida, onde levar os amigos para sentir as mesmas sensações de estar de volta aos momentos felizes, é lá que tudo é estragado, arruina-se o encanto, se perde a graça, e tudo por causa dele... o maldito cachorro.

A rua cheira com aquele mesmo cheiro das guloseimas da Tia Gertrudes, a velhinha de corpo encarquilhado e mãos de fada, trabalhara anos com nossa familia, trazia sempre o mesmo sorriso, bonito e simpático, ainda que faltando alguns dentes, o mesmo olhar que sondava o intimo dos corações e descobria todas as minhas traquinagens de moleque. Eu quase sentia seu perfume, se me esforçava poderia conseguir, mas nunca conseguia, quando o doce cheiro de alfazema estava quase penetrando minha alma saudosista,  o maldito cachorro latia , meu perto apertava, os olhos arregalavam, um frio, qual sopro de morte me gelava a espinha, ia para casa com medo e praguejando o famigerado cão destruidor de minhas nostagias.

A rua é iluminada com a mesma iluminação do meu quarto de outrora, o berço dos acalentos de minha mãe, dos jogos com os velhos-novos amigos, hoje já doentes, ou mortos. O quarto onde floresceu o amor, onde iam as primeiras namoradinhas tão inocentes quanto eu. Eu poderia sentir seus cabelos, seu corpo de novo, mas, quando aquelas presenças vinham visitar-me o coração, inebriado pela doce ilusão do passado, o danado do cão latia... os corpos belos corriam, fugiam do meu olhar, para dar lugar à mais sufocante sensação de estar encarrulado.

Um dia, pensava eu, ainda destruo esse animal, era o sonho das minhas noites... parei de caminhar por aquela rua por uns tempos, até o dia em que enchi-me de coragem, trouxe comigo todos os amuletos possiveis contra cães, gatos, feras, mitos e visagens da noite... passava enfim por minha rua de lembranças, sentia os cabelos do tempo passar por mim e a leve garoa da saudade invadir o coração. Quando estava absorto por aquele clima de felicidade, o cão danado latiu mais uma vez, mas dessa vez não fugi, ao contrário, saí ao encontro do uivo perturbador. Qual não foi minha surpresa ao chegar no lugar onde os ruivos eram mais fortes, armei-me de coragem contra a sombra que lançava seus gritos no ar e, ao lançar-me contra ele percebi que não havia cão algum, quem latia era eu.


* Quando passeamos pelos caminhos da lembrança corremos o risco de querer esquecer muitas coisas ruins, nossos cães interiores começam a uivar, para não encontrarmos com nosso eu, com aquilo que nos causa dor. Mas, armando-se de coragem e aceitando a si mesmo, podemos voltar a caminhar pela rua da nossa vida interior.